A nossa condição humana é de solidão. Por mais que queiramos nos cercar de pessoas, as decisões mais importantes são sempre tomadas na mais profunda solidão.
Dalcides Biscalquin
Muitas vezes temos dificuldade de conviver com ela. Precisamos ligar a TV, o rádio, navegar pela Internet e preencher todo o nosso tempo e todo o nosso espaço com algum som ou barulho.
Em alguns momentos o mergulho na tagarelice do mundo é necessário, pois temos de cumprir um papel social; em outros, porém, afasta-nos de nós mesmos.
É saudável curtir a própria solidão e ter momentos de tranquilidade e silêncio. Só poderemos ouvir a voz do nosso coração quando mergulharmos no silêncio das nossas emoções.
As pessoas ao nosso lado podem nos incentivar a casar, a mudar de emprego, a correr novos riscos. Sabemos, no entanto, que somente nós teremos que arcar com todas as responsabilidades e consequências dos nossos atos. As decisões fundamentais da nossa vida devem ser tomadas quando nos vemos a sós.
Dizem que o momento mais delicado da vida é a hora da morte, e que ali se sente a maior solidão de todas. Por mais que se queira confortar o moribundo, no fundo sabe-se que a experiência da morte é uma vivência solitária e que nenhum de nós terá como fugir desse momento ou adiá-lo.
Certa vez eu estava prestes a pegar um avião, pois deveria ministrar uma palestra em Brasília. No horário previsto, lá estava eu diante daquela aeronave absolutamente sozinho. Perguntei à comissária de bordo:
— Onde estão os outros passageiros?
Ela me respondeu:
— O senhor seguirá sozinho, não há mais passageiros neste voo.
Tomado pelo medo, imediatamente perguntei:
— Por que não cancelam o voo?
Ela me explicou que não seria possível cancelar, pois o avião deveria seguir uma rota predefinida. Aceitei aquelas palavras com certa resignação. Sentei-me numa poltrona perto da porta – nem sei porque – e fiquei pensando: “E se o avião cair? Como serão as manchetes amanhã? “Felizmente, apenas um passageiro a bordo”.
E imaginei os amigos comentando o ocorrido num bar de esquina: “Azarado aquele rapaz, hein?”.
Na metade da viagem, depois de esgotar todas as possibilidades pessimistas, comecei a pensar: “Com gente ao lado ou sozinho, o avião, a tripulação, o motor são os mesmos. O que está diferente?”.
E logo encontrei resposta para minha questão existencial, filosófica ou metafísica: “Como é ilusória a sensação de que ao lado de outras pessoas estamos mais seguros. O que os outros poderiam fazer, em caso de emergência, além de gritar, implorando a proteção de Deus?”.
Compreendi, naquela tarde, que havia uma semelhança entre a vida e aquele voo. A nossa condição humana é de solidão, queiramos ou não. E não adianta insistirmos em manter muita gente ao nosso lado o tempo todo. A vida sempre encontrará um momento de silêncio para nos perguntar a respeito das nossas decisões. Nada mais sábio do que aprendermos a gostar da nossa própria companhia. Esse é um sinal de que estamos de bem com nós mesmos e com a vida. A cada um cabe não lutar contra isso, mas encontrar formas de conviver com essa realidade o mais saudavelmente possível.
Dalcides Biscalquin
Mestre em comunicação, licenciado em filosofia e bacharel em teologia. É apresentador de TV e autor dos livros: Meus pensamentos, A vida é feita de escolhas e Por onde o amor me leva.