PROFESSORES CHEIOS DE VIDA
Filósofo, escritor e palestrante, com mestrado e doutorado em educação. Foi professor titular da PUC-SP (1977-2012) e secretário municipal de educação de São Paulo (1991-1992). É articulista e comentarista de diversos programas de rádio e TV.
Tenho uma admiração imensa por professores da Educação Infantil e de séries iniciais. Elas – quase sempre mulheres – lidam com o que há de mais frágil e difícil na área. Na Educação Infantil é comum encontrarmos salas com 25, 30 crianças, e cada uma delas é uma “bomba ambulante”. Às vezes parece que é preciso chamar o GATE (Grupo de Ações Táticas Especiais) ou o Corpo de Bombeiros, porque a professora vira para cuidar de um aluno e outro cai aqui; ela corre atrás desse e outro cutuca o olho do coleguinha. É sempre impressionante lembrar como essas crianças são frágeis. Gosto demais de recordar uma situação que conto em palestras e em outros livros. Quem já não viu cenas como esta no Ensino Fundamental: a professora está saindo para o intervalo e vê que ficou uma menininha na sala. Ela está ali, quietinha na carteira, não saiu com os outros alunos.
– O que foi? – pergunta a professora.
– Não foi nada.
– Fala para mim o que aconteceu – ela torna, carinhosa.
E a garotinha continua insistindo que não foi nada, até que a professora põe a mão no ombro da criança. Detalhe: nós somos, com frequência, o único adulto que toca algumas crianças durante o dia. Muitos pequenos não estão nem acostumados a serem tocados, e disso bem sabem professores de educação física porque são os que mais perto chegam dos nossos alunos.
Quando a professora põe a mão no ombro da aluna, a garotinha se abre: “Minha mãe disse que meu pai foi viajar e vai demorar muito para voltar”. A professora entende e fala: “Vem comigo, vou mostrar uma coisa”. Cria-se uma dependência, em que a professora vai, a menina vai atrás, grudada na saia ou no guarda-pó, dizendo “tia, tia”.
Por que ela vai junto? Porque encontrou algum lugar. Como lembraria o grande Guimarães Rosa, “A vida é um grande sertão, mas tem veredas”, e as veredas estão no outro.
Quantas vezes você presenciou, às onze da noite, no estacionamento da escola, um professor conversando com um aluno de quinze, dezesseis anos? Em vez de ir para casa, o professor ficou ouvindo o aluno contar que está desesperado, que a namorada engravidou e ele não sabe o que fazer. Ou então você está no intervalo e os alunos estão atrás aos montes, gritando “professora, professora”.
Depois de um dia assim, onze da noite, seu filho vem pedir para você tomar a lição dele e você quase agarra o inconveniente pelo pescoço e diz: “Estou por aqui (dedo em riste) de criança, não aguento mais”. Onze horas da noite, você quer ir dormir – não que saber de filho que vem pedir ajuda. É por isso que, de maneira geral, filhos de educadores não são necessariamente geniais na escola; a gente não tem muita paciência pedagógica com eles. É criança demais para se preocupar o dia inteiro.
É vida demais à nossa volta, e é o tempo todo. É vida transbordando vida o dia inteiro. Atenção à palavra “transbordar”, que quer dizer “ir além da borda”, ser incontido e ilimitado. Nós somos incontidos, vivemos em voz alta. Transbordar não significa só alegria, elogio, emoção, mas também tristeza, bronca e chatice. Mas, retomando uma deliciosa obviedade: nossa profissão lida com gente. Você quer coisa mais complicada do que gente? No entanto, consegue largar? Consegue? Jamais!
Nós e a Escola
Agonias e alegrias
Em 2014 completei quatro décadas de docência e lancei este livro com o título Pensatas pedagógicas, quando quis “comemorar-me”, revigorando quarenta reflexões (contando a chegada e a partida) para ajudar a cogitar um pouco mais sobre várias das nossas agonias e muitas das nossas alegrias. Em 2018, para uma nova edição mais ampliada (como eu!) e com capa reformulada, acrescentei mais quatro pensatas e resolvi inverter a ordem no título, preferindo Nós e a escola: