Por Liliane Prata e Carolina Delboni
Para quem passa muito tempo online, a internet não é só uma ferramenta, mas um estilo de vida. É o caso de quase todo jovem – e cabe aos pais lidar com isso da melhor forma.
Os meios digitais transformaram os relacionamentos do nosso tempo. Especialmente dos adolescentes da geração Z, nascidos no final da década de 1990 e início dos anos 2000, que nem concebem o mundo sem internet, mobilidade ou redes sociais. O IBGE apontou que no Brasil, em 2014, 136,6 milhões de pessoas a partir de 10 anos tinham telefone celular (-77%). E as redes sociais são a atividade número 1 dos jovens conectados, segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil, realizada em 2014, com mais de 2 mil entrevistados entre 9 e 17 anos: 73% deles já acessaram alguma delas. Para os pais, o desafio é duplo: educar os filhos na fase em que passam a ressignificar os aprendizados da infância por meio da contestação, agora com o adicional online. Em vez de reunir, as telas podem criar um gap geracional, afastando adultos de adolescentes. Estes preferem se comunicar com imagens no lugar das palavras e buscam a aprovação não só dos amigos mas também de uma audiência cheia de anônimos. Do Facebook e do Twitter, dominados pelos mais velhos, migraram para o Snapchat, cujos mecanismos podem parecer intransponíveis para quem não tem a mesma faixa etária. Nesse contexto, entendê-los passa longe de curtir suas fotos e postar emoticons fofos nos comentários. A seguir, listamos três dilemas comuns aos pais de adolescentes da era internética. Lidar com eles, quase sempre, pede sabedoria à moda antiga.
1. Viciados em likes
Kéfera, 25 anos, é dona do canal do YouTube 5incominutos, com 8,5 milhões de assinantes. Quando se lançou na internet, não era cantora, atriz ou filha de famoso. Seu mérito era ser ela mesma. Sem filtros. A curitibana é a representação clássica de sucesso para a nova geração. Pode-se dizer que o conhecido roteiro de filme da Sessão da Tarde sobre o jovem popular na escola ganhou dimensões inacreditáveis nos tempos da web. A aceitação, essencial à formação da autoestima, vem de likes, retweets, views. Se, por um lado, as ferramentas sociais podem ajudar garotos e garotas a encontrar, mais facilmente, um grupo que reforce a sua sensação de pertencimento, de outro há a questão do que é preciso mostrar para garantir a audiência. “Na sociedade do espetáculo, todos ficam mais expostos”, alerta Ligia Bruni Queiroz, médica hebiatra da Unidade de Adolescentes do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo. Além disso, a comunicação por meio de imagens valoriza, em excesso, a aparência. Um relatório publicado no Journal of Psychosocial Research on Cyberspace em 2015, que avaliou o comportamento de jovens, entre 11 e 16 anos, da Itália, Reino Unido e Espanha, constatou que as garotas sentem-se pressionadas a parecer “perfeitas” e inclinadas a postar selfies seminuas – que resultam em popularidade. Vulneráveis e com a personalidade em formação, os adolescentes acabam ficando com a autocrítica falha, o que só aparece com o estrago já feito. “Se o vídeo íntimo cai no WhatsApp da escola, eles se culpam e se perguntam por que fizeram aquilo”, diz a ginecologista e obstetra Diana Vanni, de São Paulo. Cabe aos pais ajudar o filho a criar filtros. Ao lembrar que é quase impossível apagar pegadas digitais, reforce a necessidade de pensar antes de postar e avaliar como reagiria se outra pessoa publicasse algo parecido. Mais que exigir que entregue suas senhas, deve prepará-lo para ser responsável e exercitar o controle de impulsos. Ainda vale relativizar a importância dos likes e orientá-lo a encontrar outras recompensas que nada tenham a ver com trocas virtuais. Por fim, cuidado ao menosprezar a persona digital de seu filho. Isso só acentua a distância geracional entre vocês.
2. Juventude vigiada
No WhatsApp, um grupo de mães acompanha, passo a passo, o primeiro passeio das filhas no shopping enquanto um pai se vangloria de seguir o filho remotamente, pelo GPS do celular. A preocupação é compreensível. “A habilidade dos adolescentes com a tecnologia é inversamente proporcional ao discernimento em determinadas situações”, lembra Alessandra Borelli, advogada especializada em direito digital. A questão é encontrar o limite entre cuidado e invasão de privacidade. Essa linha tênue depende muito da idade e da maturidade de seu filho e dos riscos envolvidos no dia a dia (se, por acaso, é preciso atravessar uma rua movimentada para voltar da escola sozinho). No entanto, o excesso de zelo pode tornar os jovens mais propensos a burlar a vigilância: basta criar uma segunda página no Facebook, uma nova conta no Snapchat, desativar momentaneamente o GPS do smartphone.
Ao entrevistar adolescentes entre 11 e 17 anos, pesquisadores do Centro Canadense de Alfabetização Digital concluíram que aqueles que mais dividiam os detalhes da vida deles com os pais não eram alvo de vigilância constante. A confiança, nesses casos, era mútua. Ainda se constatou que, à distância, a fiscalização dos filhos trava o diálogo familiar. “Participar da rotina, conversar durante as refeições, estar realmente atento durante o tempo que passam juntos pode trazer mais respostas sobre o que andam fazendo que uma vigília detalhada”, observa Ligia Queiroz. É claro que isso não exclui a imposição de limites e combinados. Manter os pais informados sobre onde e com quem está e cumprir horários estabelecidos funciona como um exercício para desenvolver autonomia. Numa situação-limite, em que os pais realmente desconfiam de comportamentos de risco, a supervisão constante está autorizada, desde que comunicada antecipadamente.
É importante reforçar que adolescência e desobediência caminham juntas. “Os pais precisam permitir certas transgressões, parte dessa fase. É até saudável. Se o jovem se sente muito cerceado, acaba adotando comportamentos mais perigosos”, explica Ligia.
3. Pornografia até no celular
Experimente dar um Google em “sexo”. A busca, que poderia ser estimulada por simples curiosidade, traz, logo na primeira página, resultados como “Vídeo pornô grátis” e coisas do tipo… Dessa maneira, quase sem querer, crianças e jovens são apresentados à pornografia virtual (às vezes muito antes de experimentar relações sexuais), que ocupa, em estimativa, 4% dos websites mais visitados. Daí em diante, descortina-se o mais variado repertório de situações, corpos, posições, preferências, número de parceiros, perversões – em performances inacreditáveis. A erotização da mulher, nesse contexto, costuma ser de degradação, submissão e violência.
O risco, a princípio, está em criar estereótipos físicos e modelos de comportamento completamente apartados da realidade, em que sentimentos e comunicação entre os parceiros não são essenciais à atividade sexual e o conceito de relacionamento é inexistente. Concepções que levam a uma idealização do sexo e, consequentemente, à frustração. Quando há repetição da exposição a essas imagens, não se pode menosprezar o potencial viciante da pornografia. Assim como ocorre com as drogas, o adolescente se sente compelido a acessar os vídeos cada vez com maior frequência – e, quase sempre, os roteiros vão ficando mais perversos.
Por mais desconfortável que essa conversa possa parecer, não pode ser adiada. Os julgamentos devem passar longe do discurso dos pais. Evite pressionar por uma confissão ou armar ciladas para desmascarar seu filho. Simplesmente diga que sabe que ele vem acessando conteúdos pouco apropriados à sua idade e que essa curiosidade é absolutamente natural. Explique que esses vídeos dificilmente representam situações da vida cotidiana de um casal, que aquelas pessoas são atores e atrizes pagos para fazer sexo diante das câmeras, sem a emoção e a intimidade normalmente envolvidas num ato saudável. E então mostre os perigos. Se necessário, avise que pretende monitorar os gadgets com frequência. Para terminar, coloque-se à disposição para tirar dúvidas e falar sobre o tema a qualquer tempo.