Max Gehringer
Todos nós já perdemos a conta das vezes em que ouvimos a palavra ‘crise’. Existem crises para todo gosto: financeira, pessoal, profissional, ambiental, setorial, estrutural. E fica a impressão de que é quase impossível alguém atravessar a vida sem ser atingido por, pelo menos, uma daquelas famosas crises existenciais: primeiro, vem a crise da adolescência. Depois, a matrimonial. Em seguida, as das diversas idades – a crise dos trinta, a dos quarenta, e de todos os ‘enta’ daí em diante, até a chegada da crise da meia-idade (que de ‘meia’ não tem nada, porque chega quando uns 70% da existência já se escoaram).
Há alguns anos, eu trabalhei em uma empresa cujo dono vivia repetindo uma mesma frase, sempre que algum sintoma mais preocupante pintava no horizonte: ‘Crise é qualquer situação para a qual não soubemos nos preparar’. E aí, antes mesmo que a crise se materializasse, dá-lhe corte! De despesas, de pessoas, de investimentos. Ou seja, quando não havia crise, nós éramos tratados como se houvesse uma, e, portanto, estávamos sempre em crise. A receita do tratamento de choque preventivo funcionou perfeitamente, até que, há dois anos atrás, aquela empresa faliu, deixando um batalhão de funcionários e credores a ver navios. E o dono deu uma entrevista, tentando explicar por quê: ‘Fomos engolidos por essa avassaladora crise econômica que se instaurou no país’. Mas, como nenhuma outra empresa do mesmo setor havia falido, era óbvio que a tal crise econômica não podia ter sido a única culpada pelo naufrágio da empresa. O dono é que havia mudado seus critérios. E aí eu acho que entendi o que é crise.
Crise era, originalmente, apenas era um termo médico. Quando uma doença atingia um estágio altamente preocupante, e os tratamentos usuais já não surtiam mais efeito, o médico tinha que tomar alguma medida drástica, senão o doente sucumbia. Era exatamente esse momento que, há dois milênios, os antigos gregos chamavam de krisis, ou, literalmente, ‘julgamento’. Esse sentido de ‘urgência’ da palavra sobreviveu na expressão ‘ponto crítico’, isto é, aquele instante decisivo em que, ou alguém toma uma providência, ou a situação escapa definitivamente ao controle. E foi isso que levou aquela minha ex-empresa para o buraco: pela primeira, única (e última) vez, o dono se convenceu de que estava diante de uma ‘situação passageira’ e decidiu ‘esperar os acontecimentos’.
Há alguns meses, eu conversei com ele, e ele me contou a lição que aprendeu com o triste episódio: crise é sempre a nossa interpretação pessoal de uma situação. Se aceitarmos que uma crise ‘veio de fora’, e, logo, está além de nossa compreensão e de nossas providências, aí ela se instala feito uma bactéria em nosso organismo, enfraquece nossa resistência, e começa a causar estragos em nossa saúde física e mental. Logo, todas as crises são individuais – situações que aparecem de repente, para testar nossa capacidade de julgar com rapidez e de decidir corretamente. Só é vitimado por uma crise séria, mesmo – pessoal ou profissional – quem fica aguardando o pior passar, para só depois resolver o que fazer. Enquanto ele falava, eu me lembrava que tenho um amigo, o Rubão, que vive em estado de crise permanente desde que nasceu. Atualmente, ele anda em crise de relacionamento com seu chefe. Eu perguntei por que o Rubão não sentava com o chefe dele e tentava acertar as diferenças, e ele nem piscou:
– Eu, hein? Com essa crise de desemprego que tem por aí?
Max Gehringer
É comentarista da Rádio CBN e do Fantástico, na TV Globo. Administrador de empresas, foi presidente da Pepsi-Cola Engarrafadora e da Pullman/Santista Alimentos. Conhecido por seus artigos em revistas como Época, Exame e Você S/A. É autor de vários livros, dentre eles Comédia Corporativa, Emprego de A a Z e Pergunte ao Max, e um dos palestrantes mais requisitados do País.