Casos de falta de educação, antigamente, eram resolvidos com autoridade.
Mônica Raouf
Bilhete da escola. Tenho de assinar. Assino: ciente e envergonhada. A filha reclama de entregar o bilhete assinado assim. Ótimo. Eu também tive muita vergonha de receber bilhete da escola. Mas assumo minha parte. Se fui chamada, errei em algum lugar. Dei limites de menos, espaço de mais. Olhar de menos, celular de mais. É preciso ver onde eu vacilei.
Alunos contam histórias. O professor foi injusto… todo mundo falando, só com ela é que ele brigou… ninguém tinha feito o trabalho também… todo mundo tirou nota baixa… adolescentes mentem? Nunca os nossos, claro.
Digamos que eles são criativos. Inventam uma versão que lhes seja assim mais favorável. Fatos distorcidos não são realidade. Mas vem cá, você foi adolescente. Já fez igual, não lembra? Vai dar uma de inocente e comprar a briga do filho sem questionar a veracidade da situação?
Lembro de minha mãe falando enquanto rangia os dentes. As palavras separadas por sílabas para dar tempo de conter a emoção. Num olhar fuzilante que deixava claro: que minha vida corria perigo.
– Eu não fa-lei pa-ra não con-ver-sar du-ran-te a au-la? Eu não dis-se pa-ra es-tu-dar di-rei-to?
Casos de falta de educação, antigamente, eram resolvidos com autori-
dade. Hoje viram verdadeiros tsunamis. É a sala de aula virando confusão. Crianças sendo criadas num falso mundo, onde tudo pode. Aprendendo que mentir dá lucro. E que desvios trazem vantagens. Em troca de quê? Meio ponto?
Alguns pais, em vez de conversar para melhorar a criança, crucificam o professor. Destratam, desrespeitam, ameaçam, processam. Armam verdadeiras
guerras por WhatsApp, com direito a emoticons e outras figurinhas.
Essas pessoas têm a exata noção do que fazem? A clara consciência de que estão sendo manipuladas pelos filhos? Invertendo a ordem de valores dando razão a quem não tem? Difamando profissionais com anos de experiência? É o mundo de pernas para o ar. Chamem o responsável pelo responsável!
A questão era sobre cores. Ela não achou a resposta no texto. Respondeu assim mesmo: deve ser branco, azul, amarelo, vermelho, rosa, verde, preto, cinza… Tive de rir. Na falta do que dizer, ela disse tudo o que sabia da matéria. Merece dez? Merece mil!
Vida é assim, a gente torce, retorce e dá um jeito de sair pelas portas da possibilidade. Adorei. Ela me mostrou seu melhor. Não se deixou entregar nem abater. Não se fez de coitadinha. Lutou a boa batalha e venceu.
Mesma prova. Era para usar o máximo possível de cores para mostrar o conhecimento da matéria. O rapaz nem lápis de cor se deu ao trabalho de levar. Pintou tudo de preto. Fez o mais meia-boca possível. Trabalho de quem estava pouco ligando para aquilo ali. Ganhou meio ponto, valia três.
Muitos pais não se preocupam em ensinar que não se faz trabalho meia-boca. Ao contrário, como bons advogados, vasculham brechas nos enunciados das provas para mendigar pontos extras. Mendigam. Mas não chegam humildes de chapéu na mão. Espadas em punho. Prontos para a batalha. Sangue em troca de décimos. Vergonha alheia.
Não percebem o que estão fazendo. Correm o perigo de criar pessoas sem ética, sem garra, sem estofo.
Alô! O filho é seu! Fácil jogar a culpa em quem não tem. Difícil é assumir, se desculpar, responsabilizar. Estamos criando plantas frágeis e sem tronco. Coitadinhizar crianças é matar a capacidade delas serem pessoas melhores. Coitadinhos são pessoas incapazes de construir a própria felicidade. Muito triste produzir um coitadinho.
Aprender a obedecer, a respeitar, a não prejudicar o outro não é castigo, é lição. Eles não são reizinhos donos do mundo. A lei que vale para todos vale para eles também. Não se leva vantagem em tudo. Vantagem é trabalhar para ter o que precisa. É saber que tudo tem retorno. E o que você manda volta para você sempre. Muitas vezes em forma de notas no boletim.
Crianças pedem socorro de várias formas. Socorra. Foi chamado na escola? Escute, encare, repense. Venha desarmado. Ali, na sua frente, tem um profissional que reparou o que a gente deixou passar. Não desconte sua raiva em quem está te mostrando esse fato. Não se trata de um embate com vencedores e vencidos. Trabalhe em conjunto. Lutamos juntos por crianças melhores.
Você pode estar criando um coitadinho. É isso mesmo que você quer? Se não for, pare, reavalie. Ponha a mão na consciência! Tirar nota baixa é aprendizado. Precisava ter estudado mais. Saber que a nota aumentou porque a mãe arrumou um jeitinho é desserviço. Ser chamado a atenção pelo professor não é constrangimento, é aprendizado. Saber que a mãe foi reclamar na escola por causa disso é aprender da forma errada.
Do jeito estranho que estamos, a continuar assim, talvez palanques eleitoreiros sejam o futuro para essas crianças manipuladoras e sem limites de hoje. De qualquer forma, um triste fim para todos nós.
Filho é pipa. Precisa de vento, precisa de linha, precisa de embates também. Cada uma com sua rota, seu voo, seu aprendizado. Voltam rasgadas, tronchas, sem um pedaço da rabiola? A gente dá colo, passa remédio, sopra e manda voar de novo. É no voo que se aprende a voar. Pipa bonita é a que dança no ar.