Especialistas ajudam a entender por que as crianças se jogam no chão e esperneiam – e dão conselhos para os pais enfrentarem essa fase, que pode ser longa.
Por Camila Carvas
Daquele tamanho e capaz de falar um “não” tão enfático, com direito a gritos, choro e esperneio. Seu bebê cresceu, já anda, fala, manda beijo e… faz birra! Assim, tira você do sério, dá dor de cabeça e atrai olhares no shopping. Calma: como já deve ter ouvido por aí, acontece nas melhores famílias. Aliás, isso não só faz parte da vida de quem tem filhos como é inerente ao desenvolvimento infantil. Aos 2 anos, quando os ataques de manha são mais comuns, a criança passa a se reconhecer como um serzinho independente dos genitores. Alguém que, como os adultos, tem vontades e quer vê-las satisfeitas. Aí, busca autonomia e controle e aproveita toda oportunidade para deixar clara sua posição. No meio do embate, ela se sente poderosa e, aos pais, cabe impor os contornos do que é aceitável. Não fosse difícil o suficiente, essa fase de testes pode se prolongar, com consequências para a vida da família e também do pequeno encrenqueiro. Por isso, os especialistas recomendam: assuma as rédeas desde cedo, mesmo que com jeito e amor.
Durante os primeiros anos, a criança ainda se apoia muito em ações e reações e nos próprios impulsos para comunicar seus sentimentos. Ela está começando a entender o ambiente e sua relação com o mundo; então fica mais sensível a experiências que não correspondem ao que espera. “O que normalmente é visto como desobediência é somente o jeito de a criança testar os limites, se comunicar e ganhar atenção”, diz o psicólogo Bronwyn B. Charlton, coordenador do Seedlings Group, organização norte-americano de apoio à educação de crianças que tem sedes em Nova York e Los Angeles. Apesar de nessa etapa reconhecer sua individualidade, a criança não tem ainda capacidade de se colocar no lugar do outro, gerenciar frustrações, controlar suas emoções ou resolver problemas. Assim, quando a situação se complica e ela sente dificuldade para expressar e até entender o que está sentindo, lança mão de recursos primários familiares: chora, grita, esperneia. Diante da cena, os pais, se não ficam irritados, sentem-se, no mínimo, perdidos e frustrados, já que até as tentativas de agradar e acalmar se provam ineficazes.
Foi atrás de respostas para superar esse desafio que a psicóloga francesa Isabelle Filliozat escreveu o livro Já Tentei de Tudo (Sextante), recém-lançado no Brasil. Mãe de um casal, ela diz que, ao educá-los, procurou reforçar os atos de amor e reduzir o tom punitivo nas conversas. “Dei regras, mas tentei evitar limites muito radicais. Mais do que me obedecer, queria que aprendessem a pensar nas consequências de seus comportamentos e se tornassem responsáveis”, conta Isabelle, de Paris. Os momentos de birra, ainda assim, persistiram. “Eu não achava que estavam tentando me agredir ou fazer jogos de poder, mas também não conseguia compreender o que passava na cabeça deles.”
Ao estudar o cérebro infantil e o comportamento dos pequenos, a psicóloga descobriu que, enquanto um bebê estressado se protege dormindo, os neurônios de uma criança de 2 anos sobrecarregada e superestimulada disparam provocando uma tempestade. “É uma ferramenta de liberação para o cérebro. Mas poucos pais entendem isso e ficam imaginando que a birra é um capricho, só uma reação pessoal à frustração – que é, em geral, o gatilho, mas nem sempre a causa do ataque de manha”, pondera Isabelle. E propõe: em vez de se desesperar com a choradeira recorrente, aproveite para desenvolver novas habilidades na criança. Apenas dar ordem e esperar que ela obedeça é o caminho para o confronto. Busque a cooperação, ofereça escolhas e faça-a pensar. “Essa fase fica especialmente terrível se os pais não levam em consideração que os pequenos estão crescendo e precisam tomar algumas decisões sozinhos. Por exemplo, se você ordenar que uma criança de 2 anos vista o casaco, ela vai se opor. Mas, se você primeiro conversar sobre o tempo lá fora e perguntar o que ela deseja vestir, a história muda”, garante Isabelle.
O rei da casa
O difícil é acertar a medida entre deixar que a criança faça algumas escolhas ou vire um pequeno tirano. Nessa busca pelo equilíbrio, a imagem dos pais autoritários do passado vem dando lugar não só a figuras amorosas e carinhosas mas também inseguras, culpadas e cansadas, que cedem à birra e aceitam qualquer negociação na ânsia de solucionar logo o drama. Sem querer, alimentam o problema. “Os pais perdem as rédeas e deixam que o filho reine absoluto. Frequentemente, é o pequeno quem decide o que vai comer e a que horas vai dormir”, aponta a psicanalista Marcia Neder, professora adjunta da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e autora do livro Déspotas Mirins – O Poder nas Novas Famílias (Zagodoni Editora). A partir do momento em que abrem mão de seu papel, os adultos criam uma brecha para o que chama de “infantolatria”, ou seja, um culto à criança, como se ela fosse um deus. “Os pais precisam lembrar que são os adultos dessa relação. Há coisas que a criança simplesmente não é capaz de decidir, porque não tem nem discernimento”, avisa a psicanalista Marcia. Portanto, em vez de perguntar o que o pequeno quer comer, correndo o risco de ouvir “batata frita”, dê a ele apenas duas opções, ambas nutritivas. Assim, o exercício da autonomia infantil ganha necessários parâmetros. O autocontrole, explica o americano Charlton, pode ser ensinado e fortalecido. No lugar de só punir o mau comportamento, ajude seu filho a mudar de postura: “As habilidades não vão apenas ajudá-lo a ser mais agradável ou conquistar empatia, mas serão essenciais para o sucesso e o desenvolvimento dele no futuro”.
Embora seja uma tática infantil, típica dos primeiros anos, a birra (ou manha, má-criação, como quiser chamar) não tem idade para acabar. Se aos 2 anos muito do oposicionismo dos pequenos é um modo de reconhecer a própria individualidade, a rebeldia adolescente também vem da reafirmação e da busca de independência. “Toda criança quer ser o centro das atenções e usa seus subterfúgios para obter o que deseja. Esse comportamento ainda vem sendo agravado pela culpa que os adultos sentem por trabalhar fora e não estarem tão presentes nos momentos importantes como gostariam”, analisa a psicóloga Renata Yamasaki, especialista em orientação familiar, de São Paulo. “O que se faz necessário é dar autonomia às crianças conforme elas consigam assumir responsabilidades mais complexas.” Afinal, como alerta a expert, o autoritarismo reduz a capacidade delas de controlar as emoções, enquanto a permissividade as torna egoístas.
Dois termômetros
Com o passar dos anos, o que muda são os recursos usados pelas crianças e pelos pais. Num primeiro momento, os adultos devem dizer os porquês de forma curta, quase como uma ordem: “Deixe esse brinquedo aí”. Em torno dos 5, podem dar explicações um pouco mais longas como: “Não vamos levar isso hoje, porque mamãe está sem dinheiro”. Aos 10, as crianças compreendem melhor as regras e têm mais noção das consequências. Portanto, já cabem combinados como: “Vamos ao shopping, mas não compraremos nada, vamos só lanchar”. Mas vale lembrar que frustrações existirão a vida toda e que é essencial lidar com elas sem se jogar no chão.
Se não for assim, essa inabilidade não só irrita como atrapalha o desenvolvimento da criança. “Para saber se esse é o caso, leve em conta dois termômetros: o acadêmico e o social”, explica o psicólogo Gustavo Teixeira, autor de O Reizinho da Casa – Manual para Pais de Crianças Opositivas, Desafiadoras e Desobedientes (Best Seller). Se a criança não acompanha a turma, não tem amigos ou faz com que os pais abram mão de certos programas com medo de escândalo, há algo errado. A família deve ser avaliada e orientada.
“Dar limites também é prova de amor”, lembra Teixeira. “A frustração é, em geral, o gatilho, mas nem sempre a causa do ataque de manha”, diz Isabelle Filliozat, autora de Já Tentei de Tudo.