Mario Sergio Cortella
Filósofo e escritor, com Mestrado e Doutorado em Educação, professor-titular da PUC-SP (1977-2012). Foi secretário municipal de Educação de São Paulo (1991-1992). Articulista e comentarista de diversos programas de rádio e TV.
Minha reflexão não se dirige para a constatação da “inexorável passagem do tempo”, mas sim para uma análise de como algumas concepções sobre a noção de tempo em Educação
Penso, entretanto, que esse agir a partir do hoje nos mostra o quanto é difícil – mas não impossível – manter um equilíbrio na distância entre a cautela e o ímpeto.
De um lado, o fato de a Educação Escolar, na intenção de fazer um futuro coletivo melhor, constituir-se em espaço de práticas múltiplas, com múltiplas determinações e sob múltiplas formas de controle, pode nos colocar em um estado de cautela tal que nos provoque a imobilização. Por outro lado, a urgência das mudanças, a precariedade atual do trabalho educativo e a inconformidade resultante dessa situação podem nos induzir a um ímpeto tal que inviabilize a realização das possibilidades.
A prática de pensar a prática é a única maneira de pensar certo, dizia Paulo Freire.
Por isso, o alcance da necessária harmonia entre uma salutar cautela e um eficiente ímpeto não se origina nem do uso exclusivo de uma interpretação pessoal de cada educador – interpretação sujeita a desvios e equívocos, por situar-se entre outras práticas – nem da desconsideração apressada dos condicionamentos concretos que preenchem a Educação Escolar.
Convém fazer uma ressalva: existem tipos diferentes de cautela. Ante momentos graves, uma das reações mais comuns e equivocadas é a pessoa imaginar que basta ficar quieta no canto dela que as coisas acontecerão. Eu costumo chamar isso de cautela imobilizadora. Diante de qualquer situação é preciso ter cautela, mas existe um tipo de cautela que imobiliza. É aquele em que a pessoa acha que se não alterar o que fazia, se esperar mais um pouco, as coisas continuarão do jeito que estavam, ou seja, do modo confortável que já foram.
Na área de Educação, nós mudamos com processos – processos de vida, processos humanos, processos de conhecimento. Os processos são sempre mudança, aliás, essa é a natureza processual de qualquer coisa. Fernando Pessoa, grande escritor e pensador português, dizia, logo no início do século 20: “Na véspera de não partir nunca, ao menos não há que se arrumar malas”.
Muitas pessoas, tendo em vista a obrigação de ter de se arrumar, ter de se mexer, ter de alterar o modo como fazem e pensam as coisas, supõem que a partida talvez ainda possa ser adiada; que a hora de mudar possa ser deixada para outro momento. Essa cautela imobilizadora é extremamente negativa porque a pessoa continua do jeito que estava quando tudo à sua volta exige uma alteração. Não se trata de mudar tudo, mas mudar o que precisa ser mudado. E mudar o que precisa ser mudado exige uma atitude, que é ter cautela, isto é, de não fazer as coisas de maneira atabalhoada, destituída de critérios.
Não se trata de mudar tudo, mas mudar o que precisa ser mudado. E mudar o que precisa ser mudado exige uma atitude…
Ter cautela requer paciência, como dizia Paulo Freire: a paciência histórica, a pedagógica e a afetiva. Ele insistia muito nisso. E todas elas são bem diferentes de cautela imobilizadora.
Paciência histórica é saber ver o momento em que as coisas acontecem e observar se estão suficientemente maduras para poderem ser mexidas. Há uma frase muito comum (quem é do interior sabe disso) que diz que “é muito perigoso ter razão antes da hora”. Paciência histórica é a capacidade de perceber que as coisas têm um momento. Aliás, Paulo Freire diz algo fundamental: “Se você não fizer hoje o que hoje pode ser feito, e tentar fazer hoje o que hoje não pode ser feito, dificilmente fará amanhã o que hoje deixou de fazer, porque as condições se alteram”. Paciência histórica é a percepção do momento adequado em que as coisas podem ser alteradas.
Paciência pedagógica significa a capacidade de observar que as pessoas têm processos distintos de aprendizagem e de ensino, que os alunos, os colegas de profissão vivem momentos diferentes. É necessário que haja uma maturação na possibilidade de permuta de informação e conhecimento. E paciência afetiva é a capacidade de amorosidade que precisa o tempo todo cobrir qualquer ato pedagógico, de maneira que não se incorra na agressividade ou na ruptura do padrão de autonomia e liberdade que alguém carrega. Paciência afetiva é olhar a outra pessoa como outra pessoa e não como alguém estranho.
Se juntamos essas três formas de paciência e pensamos o que significa cautela imobilizadora, passamos a outro patamar. A cautela é aquela que nos permite refletir, pensar nossas práticas antes de alterarmos as coisas. “A prática de pensar a prática é a única maneira de pensar certo”, dizia Paulo Freire. A cautela é a capacidade de observar, de refletir, de conversar, de dialogar, de trocar ideias com outras pessoas.
Mas, insisto, essa cautela não pode, ante os momentos graves, imobilizar, como se fosse: “Espere, eu vou aguardar um pouco, quem sabe muda a direção, muda o governo, muda o tipo de aluno e eu posso continuar fazendo do jeito que já fazia”.
Tão arriscado quanto a cautela imobilizadora é o ímpeto inconsequente, que acontece quando alguém, sem refletir, sem pensar, sem dialogar, parte para a ação absolutamente desestruturada. Um nome que se dá também a isso é ativismo.
Um alpinista precisa fazer escaladas com segurança. Como ele procede? Crava um apoio, e só quando está firme, parte para o segundo ponto e sobe mais um pouco. Ele não deixa de subir, tem ímpeto, coragem. Aliás, Educação também exige coragem, o que é bem diferente de insanidade.