O que ele chamava de ‘interesse’, os outros viam como ‘intromissão’.
Max Gehringer
Eu tenho um amigo, o Lelo, que, quando era ainda criancinha, foi apelidado de Beija-Flor. São várias as hipóteses para a concessão desse apelido tão penoso – no sentido ornitológico da palavra – mas a maioria delas diz respeito ao fato de ninguém se lembrar de algum dia ter visto o Lelo em estado de repouso. Ele está sempre fazendo um monte de coisas ao mesmo tempo, freqüentando tudo quanto é curso que aparece, pulando para lá e para cá e, acima de tudo, tendo idéias e dando sugestões. Como se ele sempre tivesse uma fórmula revolucionária e sob medida para qualquer situação.
Um dia desses, chateado, o Lelo me contou que toda aquela sua boa vontade, dedicação e disposição só lhe tinham rendido dissabores nas empresas por onde passara. O que ele chamava de ‘interesse’, os outros viam como ‘intromissão’. O que ele entendia como ‘entusiasmo’, os demais classificavam como ‘falta de foco’. Ele se achava ‘dinâmico’ e todos diziam que ele era ‘dispersivo’. E por aí vai. Por casualidade, naquela mesma tarde eu bati o olho num artigo sobre beija-flores. E, finalmente, decifrei o Lelo.
Ao contrário das demais aves, que voam com o corpo na posição horizontal, o beija-flor quando voa mantém o corpo na vertical. Por isso, suas asas não batem para cima e para baixo, como as de seus colegas de pena, mas para frente e para trás. Parece fácil, mas não é: para conseguir essa proeza, o beija-flor precisa bater as asas mais de 60 vezes por segundo. E tudo isso requer um enorme esforço de seu corpo: ele respira 4 vezes por segundo e seu coração tem que bater 1.260 vezes por minuto.
É claro que, para manter tal vitalidade a vida inteira, o beija-flor precisa de energia. Muita energia. Ele consome, a cada dia, entre metade e ¾ do peso de seu corpo em açúcar. E é aí que vem o grande paradoxo dos beija-flores: nada menos que 80% da energia que eles produzem é gasta apenas e tão-somente para sustentar seu peculiar estilo de vôo.
E esse é exatamente o retrato bem acabado do meu amigo Lelo. A maior parte de seu esforço lhe dá forças para ele continuar se esforçando. Ele poderia, como muita gente já lhe sugeriu, arranjar um empreguinho bem tranqüilo, passar o expediente sentado diante de uma pilha de papéis ou de uma tela de micro, piando só na hora certa e recebendo em troca um pacote de vale-refeição. Assim como o Lelo, os beija-flores também poderiam pensar em dar um chega-pra-lá na Natureza e implantar uma reengenharia radical em seu estilo de vida. Se um beija-flor aprendesse a retirar o néctar das flores de uma maneira mais produtiva (pousando na planta ao invés de ficar batendo asa ao lado dela), ele reduziria sua carga de trabalho em 80%. Teria menos estresse, não sobrecarregaria tanto seu coração, poderia respirar mais calmamente e, provavelmente, viveria bem mais tempo do que vive.
Por que então o beija-flor nunca pensou nessa solução tão mais, digamos, cômoda? Porque então ele se transformaria em um passarinho qualquer, e aí teria duas opções na vida: ou ficaria trancado numa gaiola, piando na hora certa e ganhando sua raçãozinha de alpiste, ou viveria uma vida de pardal, voando anônimo pela vida, sem despertar a atenção e a simpatia de ninguém. Com o Lelo – e os lelos em geral – acontece a mesma coisa: ser um voador incansável e, principalmente, um sonhador determinado, não é a sua opção. É a sua natureza.
Max Gehringer
É comentarista da Rádio CBN e do Fantástico, na TV Globo. Administrador de Empresas, foi Presidente da Pepsi-Cola Engarrafadora e da Pullman/Santista Alimentos. Conhecido por seus artigos em revistas como Época, Exame e Você S/A. É autor de vários livros, dentre eles “Comédia Corporativa”, “Emprego de A a Z” e “Pergunte ao Max”, e um dos palestrantes mais requisitados do país.