Em entrevista, o presidente da Organics Brasil discute as tendências mundiais para o mercado de orgânicos
Por Gabriel Lellis
Com crescimento cada vez mais acelerado, o mercado de orgânicos, estimado em US$ 80 bilhões, deixou de ser apenas uma promessa para se tornar um interessante setor para investidores, empresas e consumidores. No Brasil, por exemplo, mesmo com a crise econômica, o segmento cresceu 20% em 2016, movimentando R$ 3 bilhões.
Em entrevista, o presidente da Organics Brasil, Ming Liu, comenta os principais entraves para os orgânicos e ainda faz uma análise das principais tendências relacionadas ao setor.
Pais Atentos: Qual a perspectiva de crescimento do mercado de orgânicos no Brasil e no mundo, a curto e longo prazo?
Ming Liu: O Brasil tem uma perspectiva de crescer a taxas maiores do que outros países em função da nossa recente regulamentação, finalizada em 2011, por meio da qual tivemos o estabelecimento do selo nacional de orgânicos. Em outros países podemos perceber que os investimentos no setor só começaram a surgir quando houve esse mesmo processo, como no Bloco Europeu, em 2005, nos Estados Unidos, em 2001, e na Ásia e no Japão, em 2006. A partir do momento em que o mercado tem regras, o dinheiro entra. Enquanto há uma situação de indefinição, nenhuma indústria, nenhuma multinacional faz investimentos pesados.
Hoje a saúde se tornou tendência mundial do mercado de alimentação. Grandes empresas, como Coca-Cola, Danone e Nestlé, têm procurado desenvolver segmentos de produtos cada vez mais saudáveis. E dentro dessa linha estão alimentos orgânicos, naturais, funcionais, sem lactose e até mesmo sem glúten.
A cultura dos orgânicos deixou de ser parte apenas de um nicho e está se espalhando também para um amplo grupo de pessoas preocupadas com valores alinhados à saúde, ao meio ambiente e a um estilo de vida mais natural e menos industrializado. E é com esse consumidor “comum” que o mercado cresce.
PA: Onde temos exemplos desse movimento de popularização dos orgânicos?
ML: Os Estados Unidos são um caso interessante que movimenta US$ 40 bilhões, ou cerca de 50% do mercado mundial de orgânicos. Algumas pesquisas mostram que de cada dez americanos, oito já consumiram orgânicos. E isso é de um impacto enorme se levarmos em conta uma população de 300 milhões de habitantes que vive em uma economia forte e consumista.
É interessante notar que a mudança no estilo de vida do consumidor também alavanca outros setores além dos orgânicos. Essa pessoa não apenas vai se alimentar melhor, mas também, por exemplo, irá comprar produtos químicos que não afetem a natureza, móveis com madeira legalmente rastreada ou roupas de empresas preocupadas com direitos trabalhistas.
No Brasil, apesar do aumento no número de consumidores, a imagem dos orgânicos ainda continua erroneamente associada a algo restrito à classe A, quando já existem formas de encontrar opções com preços menores, como nas pequenas feiras de bairro ou nas épocas de sazonalidade do produto.
PA: O que falta para uma maior parcela da população, como as classes C e D, ter acesso a mais informações sobre os orgânicos?
ML: A popularização dos orgânicos passa por uma questão educacional. A população ainda não tem algumas informações fundamentais sobre os orgânicos.
O consumo de orgânicos atinge todas as classes sociais, mas claro que não podemos deixar de destacar a questão do preço, que ainda é um entrave para popularizar o consumo, principalmente quanto a produtos artesanais, como queijos e geleias, que sempre sairão mais caros do que os industrializados por conta do processo de fabricação e do menor volume de escala produtiva. Isso, no entanto, talvez mude de figura em curto prazo por conta da entrada das grandes indústrias no setor. Mas cabe às marcas tomarem cuidado para transmitir ao consumidor uma imagem positiva e o sentimento de honestidade.
PA: Com a entrada dessas grandes empresas no setor de orgânicos, como fica o pequeno produtor? Ele corre o risco de ser “engolido”?
ML: Com certeza. Essa é uma etapa do desenvolvimento que ainda não sabemos a onde vai chegar.
Os produtos primários, como verduras, frutas e legumes, sofrerão menos com esse processo. As grandes empresas estão preparadas apenas para dominar a cadeia dos industrializados. Para funcionar com eficiência, elas precisam concentrar sua produção em poucos lugares e produzir em volume. E isso é impossível na agricultura. Fica mais fácil produzir milhões de produtos em um só local, do que milhares de unidades em milhares de hectares. Com os industrializados dificilmente o pequeno produtor não será afetado.
PA: Quais os acertos e erros das políticas públicas de orgânicos no Brasil?
ML: Fizemos um acerto muito grande com os planos de aquisição de alimentos orgânicos para as escolas públicas. Esta é uma política principalmente de inserção de pequenos produtores regionais, pois facilita o comércio ao permitir que os agricultores abasteçam o entorno sem a necessidade de passar por processos burocráticos, como editais. Poucos países hoje têm algo formatado desta maneira como o Brasil.
Ainda erramos na questão da isenção e redução fiscal, que praticamente não existem. As empresas e indústrias de orgânicos começaram a se organizar apenas muito recentemente e ainda não conseguiram mostrar para o governo sua importância para a redução nacional dos gastos governamentais com o meio ambiente. Aos poucos está surgindo uma sinergia entre os produtores de orgânicos para alcançar mais conquistas.