A IMPORTÂNCIA DAS VACINAS
Em 2017, a cobertura de vacinação de crianças no Brasil atingiu o menor índice em 16 anos, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Enquanto a meta de imunização ideal, estipulada pelo próprio Ministério, é acima de 95%, a taxa de cobertura de algumas vacinas – como a tetra viral, que protege contra sarampo, caxumba, rubéola e catapora – chegou a apenas 70,7%. Com a queda da cobertura vacinal, aumenta-se o risco de doenças eliminadas voltarem a circular.
Ana Paula Sayuri Sato, professora do departamento de epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), explica que as vacinas têm função de proteção individual e coletiva. “A pessoa que é vacinada não vai adoecer e, consequentemente, não vai transmitir a doença. Se uma região tiver alta cobertura vacinal, as pessoas que não podem se vacinar ficam protegidas por conta da chamada proteção de rebanho”, diz. Uma vez que a imunização cai, a proteção coletiva é bastante prejudicada.
A especialista cita o ressurgimento do sarampo no Brasil como uma consequência da baixa cobertura de vacinação. Em setembro de 2016, o Brasil recebeu da Organização Mundial da Saúde (OMS) o certificado de eliminação do sarampo. Foi o primeiro país da América Latina a conseguir este certificado e isso aconteceu porque o último caso da doença registrado no país foi em 2015. Desde 2000, não havia registro de nenhum caso autóctone, ou seja, contraído dentro do Brasil, apenas ocorrências trazidas de fora.
Em 2018, com o aumento do fluxo de migrantes refugiados da Venezuela para a região Norte do Brasil, o país viveu novamente um surto de sarampo, potencializado pela queda da cobertura vacinal da doença. Até outubro de 2018, mais de 2.000 casos da doença tinham sido registrados no Brasil, quase todos na região Norte, especialmente nos estados do Amazonas e Roraima.
“Os surtos estão relacionados à importação, já que o genótipo do vírus que está circulando no Brasil é o mesmo que circula na Venezuela, país que enfrenta um surto da doença desde 2017”, afirma o Ministério da Saúde.
Por que houve queda na vacinação?
Não se sabe ainda quais são todos os motivos que levaram à queda na imunização no Brasil, mas um deles é a falsa percepção da população de que não é necessário vacinar as crianças depois que não se registram mais casos de doenças. Outra causa também é a disseminação de informações incorretas de que as vacinas fazem mal.
A falsa noção da população de que as vacinas não protegem, ou que são perigosas, é constantemente reforçada nas chamadas “fake news” (termo em inglês para “notícias falsas”). De acordo com Ivan Paganotti, jornalista, doutor em ciências da comunicação pela USP e idealizador do projeto “Vaza, Falsiane” – curso online sobre notícias falsas – as fake news são “relatos que imitam a estrutura e formato jornalístico, para viralizar nas redes sociais. São comprovadamente falsas e feitas com a intenção de enganar”, explica.
Paganotti explica que teóricos da área elencam duas grandes motivações para a criação das notícias falsas. A primeira é financeira, pois as informações absurdas e exageradas, quando publicadas em sites, trazem mais audiência, gerando receita para as páginas que as veiculam. Outra é a motivação ideológica, que tem como propósito “destruir a reputação de inimigos, fortalecer um candidato ou uma proposta política”, revela o jornalista.
O pesquisador em comunicação salienta ainda um terceiro motivo para a criação de notícias falsas: a de “trollar”, gíria da internet que significa brincar ou sacanear. Ou seja, as fake news têm o intuito apenas de confundir e atrapalhar quem tenta se informar.
Nos Estados Unidos existe uma forte corrente ideológica contra o discurso científico que integra, entre outros, o movimento antivacina. Esse movimento busca negar a eficácia das vacinas e mostrar que os riscos são superiores às vantagens, tudo isso por meio de informações erradas. “Algumas fake news relacionadas às vacinas citam pesquisas que já foram refutadas, misturam informações não verdadeiras e relatos inventados de efeitos colaterais das vacinas”, conta Paganotti.
No Brasil, o pesquisador diz que não há provas de um movimento ideológico antivacinação tão forte e organizado quanto nos EUA. Ele acredita que a motivação para a criação e circulação dessas notícias falsas no Brasil se dá pelo intuito de “trollar”. “A intenção é gerar o caos, semear a desconfiança nos veículos de comunicação tradicional e tirar o crédito das fontes seguras, fazendo com que as pessoas achem que tudo é mentira”, afirma o jornalista.
As notícias falsas têm poder de viralização muito maior do que as verdadeiras, conta o pesquisador. Além do conteúdo exagerado, com tom de novidade, que chama a atenção do leitor, Paganotti cita o fator familiaridade, que traz mais confiança na veracidade da informação. Afinal, os conteúdos são compartilhados em círculos de influência, como grupos de amigos e familiares.
Para se tornarem mais verossímeis, as fake news incluem em sua estrutura a contestação às mídias tradicionais com discursos como: “A mídia tradicional não quer que você saiba disso” ou “O governo está tentando mentir para você”. “Isso fortalece a impressão de que esse é o relato verdadeiro, porque já traz consigo a refutação”, explica Paganotti.
O contexto temporal em que as fake news são pulverizadas também é considerado. Seus criadores aproveitam o período de histeria e a falta de informações oficiais para soltar as notícias falsas. Pôde-se verificar esse fenômeno no Brasil, no começo de 2018, quando houve um surto de febre amarela em diversos estados, provocando uma corrida aos postos de saúde, com filas gigantescas em busca da vacina. Em meio ao desespero, as notícias falsas alertavam para o perigo das reações da imunização. Como consequência, as vacinas para febre amarela acabaram encalhando, pouco tempo depois, nos postos de saúde.
Como funcionam as vacinas?
Para não cair nas notícias falsas, é preciso entender como as vacinas funcionam. Elas operam em interação com o sistema de defesa do corpo humano, também chamado “sistema imunológico”, que nos protege de vírus, bactérias e outros micro-organismos. Quando um desses invasores entra em contato com o nosso corpo, o sistema imunológico gera uma série de sinais que resulta na produção de anticorpos – proteínas de defesa específicas para cada invasor.
A vacina é constituída do antígeno de uma determinada doença. Sendo que o antígeno é, simplesmente, uma substância que provoca a formação de anticorpos quando introduzida no organismo de uma pessoa. “Quando o corpo tem contato com um antígeno pela primeira vez, a resposta dele é a produção de anticorpos. Por ser a primeira vez, essa produção demora e pode ser pouco potente, levando alguns dias para combater a doença”, explica a especialista Ana Paula Sayuri Sato, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP.
Por outro lado, se a pessoa já tiver tido o contato com o antígeno, por meio da vacina, por exemplo, seu corpo vai ter o anticorpo específico na memória e o sistema imunológico agirá de forma mais rápida. “A vacina, portanto, é um treino para o corpo”, diz a especialista.
Ana Paula salienta que a segurança das vacinas é muito testada antes de elas serem liberadas para uso público. “Depois de identificar o antígeno e fazer a vacina, há uma fase pré-clínica em que ela é testada em laboratório, com animais. Depois, para verificar a segurança em humanos, há ainda mais três fases clínicas, nas quais são feitos testes, primeiramente, em 20 ou 30 pessoas. O número aumenta em cada fase, chegando a centenas de pessoas”. Só depois que a vacina passa por todos esses testes e obtém certificações de órgãos reguladores, é que ela pode ser disponibilizada para a população.
O objetivo da imunização por meios das vacinas é erradicar doenças. Um exemplo bem sucedido é a varíola, considerada erradicada pela OMS em 1980. Desde então, não foi registrado mais nenhum caso em todo o mundo. A poliomielite também está em vias de erradicação. Já foi eliminada da maior parte do planeta, mas dois países ainda têm o vírus selvagem da doença circulando: Afeganistão e Paquistão.
A primeira vacina
A primeira vacina – quando ela ainda não era chamada dessa forma – foi descoberta e administrada por Edward Jenner, no século XVIII. Na época havia um surto muito grande de varíola e muitas pessoas morriam em decorrência da doença.
Jenner observou que as leiteiras, que trabalhavam com as vacas, pegavam uma forma mais branda da varíola – que era a bovina – e não pegavam a humana, responsável por muitas mortes.
A partir disso, o pesquisador pegou a secreção da pústula – ferida típica da varíola – de uma leiteira e introduziu em um menino de 8 anos, chamado James Pitz, em 1796. Esta foi a primeira vacina. O método foi reproduzido em outras pessoas na época, e percebia-se que elas não ficavam doentes.
No século seguinte, com o conhecimento da biologia, Louis Pasteur atenuou a bactéria da cólera, das galinhas, e deu o nome de vacina – originário de vacas – em homenagem a Edward Jenner.