A maioria de nós não sabe controlar as despesas, não guarda dinheiro e não se preocupa em planejar o futuro.
As notícias não são muito animadoras. O número de famílias endividadas chegou a 62,5%, segundo a Confederação Nacional de Bens, Serviços e Turismo. Pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) mostrou que oito entre dez brasileiros não controlam suas finanças. Os motivos de haver tanta gente com a corda no pescoço são os mais variados, mas, entre os apontados pelo SPC, estão alguns óbvios: a maioria de nós não sabe controlar as despesas, não guarda dinheiro e não se preocupa em planejar o futuro.
Se há algo com que todos os especialistas em educação financeira concordam é: filhos de pais que não sabem lidar com dinheiro certamente terão uma dificuldade tremenda também. Sim, gastar com responsabilidade, planejar e guardar para aquilo que se deseja são coisas que se aprendem em casa. Cássia D’Aquino, educadora, diz que diversos temas com que a criança vai lidar na vida adulta, como o dinheiro, são construídos desde a mais tenra idade. “E, principalmente, com base no exemplo dos pais.” Para Gustavo Cerbasi, educador financeiro, escritor e especialista em finanças pessoais, o grande barato, e uma das coisas mais bonitas da educação, é que pais e filhos podem aprender juntos. “O adulto se auto educa ao mesmo tempo que ensina as crianças. E elas são capazes de perceber o esforço dos pais em estabelecer novas regras e soluções para os problemas orçamentários”, afirma. Assim, não é preciso ser exímio matemático ou investidor do porte de um Donald Trump para educar financeiramente o seu pequeno. Bastam disciplina, diálogo e orientação.
Uma das melhores maneiras de fazer isso é por meio da mesada. “Mesada não é presente. Ela tem propósito educacional”, alerta Cerbasi. Para Cássia, as finalidades da mesada são múltiplas. Primeiro, ensina que dinheiro não nasce em árvore. “Mais importante do que isso, que não dá para ter tudo na hora em que se quer; que boa parte das vezes é preciso guardar e esperar para conquistar nossos desejos; que muitas das decisões que tomamos podem nos levar à ‘falência’ e que, portanto, devemos refletir antes de agir por impulso; que as coisas que desejamos têm um custo; e que temos de nos planejar para conquistá-las”, explica Cássia.
O processo não é rápido. “O trato responsável com o dinheiro não é algo que se aprende da noite para o dia. É um caminho de longo prazo, que dura 20 anos, até que a criança chegue à vida adulta. É algo que se ensina aos poucos e se repete muito, porque educação também envolve a repetição”, afirma a educadora. E nada disso é construído sem diálogo. “Os pais têm de estar ao lado da criança, ensinando-a a refletir se determinada decisão que ela tomou a respeito do que fazer com o dinheiro é realmente a melhor. Até porque, afinal, o dinheiro não é dela. É preciso haver, sim, uma espécie de prestação de contas para que ela possa, lentamente, amadurecer a relação que tem com o dinheiro. Os pais devem dar orientação, suporte e lembrá-las se elas esquecerem algumas regras”, aponta Cerbasi.
Quando começar?
Segundo Cássia D’Aquino, por volta dos 3 anos, a criança já percebe que o dinheiro dá acesso a coisas coloridas, divertidas. Nessa etapa da vida, já é possível sentar com ela e, por exemplo, fazer uma lista de supermercado. “Coisas tão simples quanto essa vão despertar o pequeno para o fato de que o que se compra para a casa não é aleatório ou impulsivo, mas escolhas feitas com base em prioridades.” A partir dos 6 ou 7 anos, pode-se introduzir uma quantia, que deve ser dada sempre no mesmo dia. “Até os 11 anos, deve-se optar pela semanada, até porque tempo é uma abstração e a capacidade de estabelecer um pensamento mais abstrato só é consolidada por volta dessa idade. Se dermos à criança muito pequena um valor mensal e ela cometer algum erro e gastar tudo o que tem logo, ficará angustiada por ter de esperar um período que, para ela, é longuíssimo.” A partir dos 11 anos, pode-se passar para a mesada.
Quanto dar?
Não há uma fórmula mágica ou fechada, e os próprios educadores financeiros têm diferentes propostas. Reinaldo Domingos, terapeuta financeiro, escritor e presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros, sugere um exercício: que os pais passem a contabilizar toda vez que o filho pedir dinheiro. “Incrivelmente, a maior parte deles se assusta quando se dá conta de quanto deu à criança em um mês.” Segundo Domingos, deve-se dar metade desse montante. “Mas o valor não pode, de maneira alguma, comprometer o orçamento familiar.” Já Gustavo Cerbasi defende que a quantia seja aproximada à que os colegas recebem. “É importante que a criança não se sinta marginalizada na sociedade dela, que são os amigos de dentro e de fora da escola.” Mas faz uma ressalva: “Primeiro, é preciso que os pais saibam realmente por que a criança necessita daquele valor, quer dizer, por que ela quer, por exemplo, comer na lanchonete mais cara. Depois, é hora de checar se isso cabe no orçamento doméstico”. Já Cássia D’Aquino propõe que se ofereça 1 real por ano de vida do pequeno por semana. Segundo ela, esse montante dá conta de praticamente todos os gastos básicos de crianças de qualquer parte do País. Mas, claro, essa fórmula deve ser revista de acordo com a realidade de cada família. Se, por exemplo, seus filhos comem todos os dias na escola, você poderá pesquisar o preço dos lanches e recalcular o valor. “Essa quantia não tem a ver com a renda da família, mas, sim, com a capacidade do pequeno de se organizar em relação ao dinheiro. Essa equação, entretanto, só faz sentido para crianças de até 11 anos. Depois disso, o valor deve ser reajustado.”
Deve-se corrigir a mesada?
“À medida que a criança cresce, as necessidades dela mudam. Por isso, é necessário fazer um reajuste anual do valor da mesada, desde que não haja comprometimento do orçamento familiar”, explica Domingos.
E se a família ficou apertada?
Perda de emprego ou uma situação de emergência, como uma doença, podem fazer com que os pais precisem rearranjar o orçamento. E isso deve ser comunicado aos filhos com serenidade, mas com firmeza. Assim, evite sentar para bater um papo com eles antes de resolver a questão na sua cabeça e com o seu companheiro ou
ex-companheiro. Procurem soluções, opções para lidar com a fase das vacas magras. “Muitos pais sentem-se intimidados ao falar de dinheiro e, principalmente, da falta dele, mas é do diálogo que vem o aprendizado”, explica Cerbasi. Para o educador financeiro, é fundamental que o filho tenha claro que as coisas a que tem acesso com o dinheiro da mesada são fruto do trabalho dos pais e que, em momentos de crise, a família deve estar unida para sair do sufoco. “As crianças geralmente respondem muito bem, querem ajudar. Se o assunto for colocado de forma transparente, com autoridade, é bem provável que elas sejam as mais empenhadas em ‘abraçar a causa’”, explica.
Os filhos estão liberados para comprar o que quiserem?
Não. “A mesada não é um presente. Ela tem um propósito educacional. Mesada sem dar à criança referências é mais prejudicial do que não dar. É instituí-la de um poder sem referências”, analisa Cerbasi. O que não quer dizer que se deva controlar absolutamente tudo que seu filho pretende comprar. “É preciso que ele perceba que errará e acertará. Isso faz parte do processo de aprendizagem, que inclui fazer escolhas, ainda que erradas, e poder se arrepender de tê-las feito”, afirma Cássia. Aliás, evite criticar demais as escolhas da criança. Se você não gostou do uso que ela fez para aquele dinheiro, converse com ela, apontando melhores opções.
E se o filho “falir” antes do fim do mês ou da semana?
Essa questão também faz parte do processo de aprendizagem, mas é preciso que os pais conversem com os filhos, procurando detectar onde foi que estes erraram para ajudá-los a fazer pequenos ajustes e corrigir isso. “Agora, se a criança falir por meses seguidos, talvez seja o caso de fazer um controle quinzenal ou, se não funcionar, semanal, como acontece com adultos que todos os meses terminam no vermelho”, sugere Cerbasi. A educadora financeira Cássia D’Aquino alerta que a falência repetida vezes pode também ser decorrência de uma mesada muito curta. “É necessário checar se a quantia não é tão pequena que nem dá para os gastos básicos da criança, e, por isso, ela não consegue sequer fazer um miniorçamento. Ou se, pelo contrário, ela está recebendo tanto dinheiro que acha que não tem necessidade de se organizar.”
Deve-se estimular a criança a poupar?
Cássia afirma que a criança não tem noção de médio e longo prazos. Portanto, não faz sentido estimulá-la a guardar dinheiro por períodos muito longos. “Como exercício de planejamento, o que funciona é ela fazer o que chamo de nanopoupança, ou seja, uma poupança para um período curtíssimo de tempo. Com isso, a criança aprende a estabelecer objetivos para o uso do dinheiro, consegue esperar e vê que é capaz de cumprir aquilo a que se propôs. Ela tem o prazer da conquista.” Cerbasi alerta, ainda, que reforçar demais os preceitos de poupar pode levar o pequeno a se privar de algo importante, como comer um lanche.
Deve-se remunerar tarefas domésticas?
Não. Tarefas estipuladas pelos pais, como forrar a cama e guardar os brinquedos depois de usar, são deveres. “Mas vejo com bons olhos a ideia de a criança receber para fazer algum serviço que os pais iriam pagar para terceiros executar, como dar banho no cachorro”, opina Cássia. Segundo ela, isso oferece aos filhos a oportunidade de aprender que, se o dinheiro estiver curto, eles podem fazer um bico, que nada mais é do que uma prestação de serviço.